Uma das séries mais aclamadas de 2022 traz um curiosa e inquietante crítica ao corporativismo obssessivo.

 

Você está ansioso para passar um final de semana agradável com sua família. Faz uma viagem para um maravilhoso lugar, mas não consegue relaxar. Está com os problemas que precisa concluir no trabalho fervilhando na cabeça. É incapaz de aproveitar suas sagradas horas de folga. 

Já no trabalho, a concentração praticamente não existe. Apesar de adorar o que faz, problemas pessoais te afetam profundamente. Se sente triste e sobrecarregado, e isso atrapalha muito sua produtividade e desempenho. 

Muitas vezes na nossa vida, desejamos nos desligar de todo o resto pra podermos focar naquilo estamos fazendo. Como seria bom poder esquecer completamente, mas só momentaneamente daquele projeto, daquela planilha, ou daquela auditoria pra poder curtir sem preocupações uma brincadeira com os filhos, ou uma saída com os amigos. Ou poder deixar de lado aquela briga com a esposa, a doença da mãe, ou aquelas contas que não diminuem, pra conseguir executar um bom trabalho. 

Seria uma Utopia.  Mas as chances de ser exatamente o contrário são grandes. É sobre essa premissa que fala a incrível série Ruptura (Severance), da Apple TV+. 

Produzida por Ben Stiller (que também dirige alguns dos episódios), é uma história complexa e intrigante sobre o mundo corporativo e a alienação que muitas vezes acompanha a vida dos trabalhadores. A trama é centrada em Mark, funcionário que trabalha em um importante departamento da Lumon Industries, uma gigante da tecnologia que está prestes a lançar um produto inovador. É através de seus olhos que descobrimos que todos os funcionários da Lumon são submetidos a um curioso processo que os fazem esquecer completamente de sua vida pessoal quando estão trabalhando, e também os impede de lembrar de sua vida profissional quando estão em casa. 

Esse é ponto central. Os funcionários sabem que têm vidas fora da empresa, mas são completamente isolados do mundo exterior, perdendo conexões com famílias, amigos e todos os aspéctos de sua existência. Quando estão no trabalho são totalmente absorvidos e quando estão em casa não se lembram nem sequer em que trabalham. Separação que é uma metáfora clara para a alienação que muitos trabalhadores sentem em seu ambiente corporativo.

A série consegue envolver e cativar o espectador com uma trama extremamente original, além de apresentar uma reflexão importante sobre as consequências de uma vida dedicada exclusivamente ao trabalho. Adam Scott (de A Vida Secreta de Walter Mitty), mesmo não sendo um ator muito conhecido, carrega a série nas costas, se destacando em meio a um time espetacular (Patrícia Arquette, John Turturro, Christopher Walken, Britt Lower, Zach Cherry), fazendo de Mark uma personagem extremamente complexa, que tenta esconder toda a dor de uma vida marcada por uma tragédia, numa atitude quase apática. Todos os atores dão um show, com personagens incrivelmente interessantes.

A produção é igualmente impressionante. Com cenários incríveis em um estilo noventista irritantemente asséptico e estéril e uma fotografia impecável com tons totalmente chapados, remetem a uma atmosfera impessoal e inquietante, refletindo a melancolia das personagens.

Uma série intrigante e bem realizada que oferece uma reflexão importante sobre a cultura corporativa moderna, prato cheio para os amantes da boa ficção científica e interessados ​​em questões sociais e políticas relevantes. 

Ruptura (Severance) está disponível atualmente na plataforma de streaming Apple TV+ e uma segunda temporada já está confirmada.

Matéria por Sandro Placido Albuquerque. @sandroscriativo.

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